O gabinete do Procurador-Geral da Suíça (OAG) autorizou várias buscas no país devido às denúncias e indícios de uma suposta operação de lavagem de dinheiro que tem no epicentro o Fundo Soberano Angolano e o Banco Nacional de Angola.
O procurador-geral abriu processo criminal contra pessoas de identidade não revelada, conforme anunciou a agência de notícias financeiras AWP. A declaração confirma informações publicadas em vários jornais suíços.
O processo criminal está ligado a possíveis delitos contra os bens detidos pelo Banco Nacional de Angola e pelo Fundo Soberano de Angola, afirmou o OAG.
De acordo com os jornais, os escritórios de Jean-Claude Bastos, o chefe angolano-suíço do fundo Quantum Global, sediado em Zug, estavam entre as instalações visitadas pela polícia. O empresário foi citado nas revelações dos “Paradise Papers” e até recentemente era o responsável pela gestão do Fundo Soberano.
Após o escândalo denunciado pelos “Paradise Papers”, a ex-conselheira federal Ruth Metzler deixou o Conselho da Quantum Global no final de 2017, dizendo que sua decisão baseou-se em acusações sérias de “práticas comerciais suspeitas da empresa em Angola”.
Vejamos um artigo publicado pelo jornal Handelszeitung em 6 de Novembro de 2017:
«O coração de Angola bate sobre uma filial do supermercado da rede Migros no centro histórico da cidade de Zurique. No primeiro andar, sentado a uma mesa de madeira, vemos o investidor e empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos vestido com uma camisa branca e uma calça preta. Ele dá uma olhada breve no seu interlocutor através de seus óculos retro e diz em dialecto suíço-alemão de Fribourg: “É claro que represento um risco creditício concentrado.”
Essa afirmação é um óbvio eufemismo, pois “Jay-Cee”, como ele informalmente se autodenomina, está por toda a parte, e em lugar algum. Ele é um promotor de contatos hiperactivo no que toca ao continente negro, em particular Angola. Ele passa 20% de seu tempo na Suíça, 30% no oeste da África e 50% do tempo fazendo escalas aéreas por todo o mundo. Hoje Dubai, amanhã Durban, depois de amanhã Dubrovnik. E no meio tempo ele faz vibrar seu escritório sobre a filial do Migros na cidade histórica de Zurique.
Chances de empregos para jovens
A explosão demográfica da África é o que move Bastos. Com espírito empresarial ele quer criar chances de empregos para jovens. “Private Equity” como alternativa mais sustentável à ajuda estatal ao desenvolvimento dada por países ocidentais.
Com a sua profissão de fé “África para a África”, o abastado multi-empresário promove as suas iniciativas sem fins lucrativos pelo mundo a fora: do Fundo Africano de Inovação juntamente com o ex-chefe da Agência de Cooperação Suíça, Walter Fust, como presidente, até o think-tank londrino OMFIF, que especula sobre o papel de bancos centrais.
Simultaneamente, o incansável Bastos administra os cinco bilhões de dólares do Fundo Soberano de Angola e trabalha na construção de um porto de grande calado na costa de Cabinda. Este é o seu “bebé”, como ele chama ao megaprojecto logístico.
No seu percurso, o carismático habitante de Welschenrohr, no cantão de Solothurn, também trouxe para sua órbita o “establishment” da economia suíça: quer seja Monika Ribar, que é membro do Conselho de Administração da Companhia Suíça de Comboios (SBB, na sigla em alemão), a ex-ministra suíça Ruth Metzler, o famoso publicitário Frank Bodin, ou ainda o ex-chefe do banco UBS, Marcel Rohner. Todas essas personalidades participaram nas firmas de Jean-Claude Bastos como membros dos conselhos de administração ou de controlo.
Apoio da ex-ministra suíça Metzler
Os altos executivos suíços não querem, no entanto, fazer alarde sobre seus negócios com o hiperactivo suíço-angolano. Não há uma única linha no currículo de Ruth Metzler sobre o seu cargo de anos no conselho de controlo do grupo financeiro Quantum Global, que é baseado na cidade de Zug e pertence a Bastos. Em resposta às perguntas feitas por escrito, a ex-ministra diz ter sido responsável por “questões regulatórias e temas de governança em relação à Suíça.”
Também a alta funcionária da SBB, Monika Ribar, admite ter trabalhado no conselho de administração da firma portuária Capoinvest de Bastos, mas sem mencionar que a sede da firma se encontra nas Ilhas Virgens Britânicas. “Isso não foi intencional” diz um porta-voz da SBB. O que fica claro é que a marca “Angola” tem uma reputação internacional dúbia e que os laços de Bastos com a elite política de Angola são muito estreitos, ou alguém como ele não poderia fazer os investimentos do fundo soberano angolano.
O fundo estatal angolano paga honorários multimilionários, mas para Bastos, que já tem 600 empregados, essas são apenas as “condições normais nessa indústria.” As imbricações de sua firma cobrem o globo terrestre; das Ilhas Virgens Britânicas passando por Zug e Chipre, até às Ilhas Seicheles e Maurícia.
As construções fiscais optimizadas de Bastos foram preparadas pela firma de advogados Appleby, especializada em empresas offshore, e de onde um grupo internacional de jornalistas investigativos pôde obter recentemente a divulgação de informações confidenciais. Espera-se agora uma segunda versão dos “Panama Papers”.
“Eu amo a complexidade”
Perguntado sobre as enormes ramificações e imbricações das suas empresas, Bastos responde “eu amo a complexidade” e, como que para provar, joga sobre a mesa os balanços repletos de jargão financeiro de algumas de suas participações.
O estilo de conversação de Bastos é fluido como o seu conglomerado de firmas em constante transformação. Uma faísca cerebral sucede à outra. Num momento ele proclama o seu amor pela teoria quântica, no outro, recorda com nostalgia um exorcismo animista com muito uísque na costa de Cabinda. A conversa é o equivalente a uma marcha forçada intelectual: estimulante, mas cansativa.
Fica claro que a filantropia em África é apenas uma faceta do todo. “Nos negócios, eu sou duro,” diz secamente o filho de uma industrial suíça com um guerreiro anticolonial angolano. Quem não tem desempenho no difícil ambiente africano, não tem um lugar na sua visão para uma nova Angola. A flutuação de pessoal em seu império de empresas é alta, e o número de seus inimigos é respeitável, tanto em Angola quanto na Suíça. Os seus ex-funcionários definem-no como “bottleneck”, ou seja, o gargalo da garrafa onde todas as decisões ficam represadas. Fala-se sobre falta de confiança e de transparência na empresa. Ninguém comenta “processos internos”, diz a Quantum Global, mas sim, “o ambiente em África é desafiador, e não se pode compará-lo às condições na Europa.”
Bastos deixa claro que ao invés de caçar oportunidades em salas de conferências climatizadas, os seus experts em private equity e banqueiros de investimentos devem deixar os exorbitantes hotéis da capital, Luanda, e lançarem-se no cerrado subsaárico; exactamente lá, onde não existem ruas, onde os mosquitos atacam e a gasolina é presa predilecta de ladrões. Os projectos de Bastos nascem longe das cidades.
O fundo Quantum Global e o fundo estatal de Angola
As iniciativas do suíço-angolano têm sido ultimamente um constante andar sobre a corda-bamba, pelo menos e considerarmos os padrões ocidentais. “Em África, existe outra realidade,” diz o baixista que, em seus anos rebeldes, já tocou em numerosos concertos na Suíça. Perguntado sobre o ambiente difícil, Bastos fala de uma “norma angolana”. Não se deve jamais conformar à corrupção, mas sim à outra “realidade de mercado”. “Lá, a volatilidade é uma loucura.” Projectos que para outros investidores ocidentais seriam demasiado arriscados ou laboriosos, Bastos conclui-os com tino comercial local.
A amplitude de seu portfólio é enorme: do Porto do Caio, o projecto de porto de grande calado na sua província de origem Cabina, passando por minas de ouro e madeira. De uma empresa para pagamentos online chamada Bweza até a uma fábrica de sabão, um projecto de microempresa no maior musseque de Luanda. Ex-funcionários afirmam que para Bastos, a fronteira entre “business” e filantropia é pouco nítida.
Críticas da oposição
E de onde precisamente vêm os meios financeiros para seus numerosos projectos? O mais duro crítico de Bastos é o jornalista e activista Rafael Marques que acusou Bastos várias vezes de ser um “trambiqueiro” que está a saquear o país com os seus projectos e a bênção do regime do MPLA, mormente do seu (ainda) presidente José Eduardo dos Santos.
Bastos contra-argumenta que Rafael Marques faz propaganda política sem qualquer base factual e enfatiza: “em cada projecto eu divulguei os meus investimentos relacionados com o Fundo Soberano bem como às demais partes interessadas.” Todos os acordos seguiriam segundo ele o princípio da plena concorrência.
Certo é que suas empreitadas seguem a sua profissão de fé: “onde há movimento no mercado?” Já no tempo em que esse administrador de empresas afiava os dentes com “deals” com pequenas e médias empresas suíças, e como consultor, esse era o seu moto. O entusiasmo de Bastos é algo contagiante. O cinquentão pai de cinco filhos de três casamentos distintos dá a impressão de ser 10 ou 15 anos mais jovem.
A jovialidade de Bastos corresponde à idade cronológica de seu principal parceiro: José Filomeno dos Santos. Eles conhecem-se desde a juventude. O tio de Bastos era embaixador em Londres enquanto “Zénu” era o filho do presidente angolano. Depois de três décadas no poder, seu pai deixou o cargo de presidente. Ele deixa como legado uma economia nacional arruinada nas mãos de uma pequena elite política. Apesar das enormes riquezas naturais, 70% dos angolanos vivem abaixo da linha de pobreza e a expectativa média de vida não ultrapassa os 52 anos. Segundo a organização Transparency International, Angola está entre os países mais corruptos do mundo.
Nesse contexto, Eduardo dos Santos arranjou maneira para que seu filho José Filomeno se tornasse em 2012 presidente do fundo nacional FSDEA, recém criado. O “Wall Street Journal” chamou essa indicação de “questão de família”. O fundo recebia a renda advinda da venda de petróleo, tem um capital de 5 bilhões de dólares e persegue objectivos altaneiros: assegurar no longo prazo a riqueza do povo e, com investimentos direccionados, melhor desenvolver Angola. “Fui eu quem escreveu o plano de negócios para a FSDEA,” diz Bastos e, no mesmo fôlego, rejeita as acusações de nepotismo: “Eu trabalho com José Filomeno porque ele é uma boa pessoa, e não por que ele era o filho do presidente.”
Posição dominante no fundo estatal
Bastos não escreveu apenas o plano de negócios do “Fundo” cujo banco preferido para transacções é o Falcon Private Bank de Zurique. Com seu Quantum Global Group baseado na cidade de Zug, ele é também o administrador dos investimentos do “Fundo” cujo veículo de participações o grupo gere a partir da onírica ilha Maurícia.
Mais ainda, um balanço anual do “Fundo” mostra a posição dominante de Bastos. Nessa linha, o FSDEA pagou em 2014 aproximadamente 121 milhões de dólares em consultoria; desses, 96% foram pagos a firmas controladas por Bastos. Além do grupo de Bastos, honorários foram também pagos à consultoria de administração Stampa, e à firma de relações públicas Uniqua ou à sua subsidiária de planeamento e engenharia Tomé International, na qual Armin Meier é membro do conselho administrativo.
Meier, é ex-chefe do conglomerado de turismo Kuoni, tem afinidade com a África e não vê motivos para pôr em dúvida que na Tomé International as regras tenham sido respeitadas. Perguntado sobre a concentração de contratos no “Fundo”, Meier aponta a falta de um ecossistema económico no país, incomparável com um mercado em uma nação industrial ocidental: “Isso causa complexidade adicional. Antes de iniciar um projecto, são necessários trabalhos preparatórios e de formação.”
O projecto predilecto de Jean-Claude Bastos também tem o tal período de incubação. O porto de grande calado na sua província natal de Cabinda tem 630 metros de comprimento, armazéns, zona de livre comércio, produção de energia e instalações para a manutenção de navios. O complexo do “Porto do Caio” deve aumentar enormemente a capacidade de frete na região e reduzir os custos de logística. Os preços de bens devem cair para metade e, de acordo com informações da administração do Caio, criar até 30.000 novos empregos indirectos.
A construção é financiada com um crédito de 600 milhões de dólares do Exim-Bank chinês obtido por Bastos com sua excelente rede de contactos na China. O governo angolano investiu 180 milhões de dólares através do fundo de infra-estruturas estatal, que também é gerido pelo Quantum Global Group de Zug. E será Bastos também quem vai administrar, por decreto presidencial, o porto nos próximos 30 anos com sua offshore das Ilhas Virgens Britânicas Capoinvest; a mesma firma onde Monika Ribar até meados de 2016 era membro do conselho de administração. A acumulação de cargos de Bastos no Porto Caio irritou o jornalista Rafael Marques que, antes das eleições, escreveu que esse é mais um exemplo da “cleptocracia presidencial.”
Para Bastos, ao contrário, a concessão exclusiva do porto é uma merecida recompensa pelos seus riscos pessoais e financeiros. Ele teria investido até agora no projecto do porto 73 milhões de dólares do próprio bolso. “Dez anos atrás, quando eu dirigia até Cabinda, não havia nada naquele lugar, somente selva.” Bastos convocou especialistas em portos de todo o mundo, dentre eles a ex-chefe da Panalpina Ribar, que conhece bem as condições em Angola e em especial o porto de Luanda.
O que o futuro gestor do porto não esperava era a resistência da clique do petróleo offshore: de repente um navio foi afundado em frente ao porto. E também inesperadamente, dois tubos de oleoduto foram encontrados a uma profundidade de 10 metros onde na prospecção anterior nada havia sido encontrado. No final, a situação foi resolvida com o “angolan way”. O investidor suíço vai poder construir seu porto com o beneplácito presidencial, mas esse vai ter de se localizar offshore, a dois quilómetros da terra firme. O “bebé” de Bastos deve ver a luz do dia no início de 2019.»